quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Memórias de uma pau-rodado (parte III)


Pois é, leitores, desculpem a demora em seguir com minhas memórias. Mas minha mente estava cheia de coisas (boas e ruins) para pensar. Mas eis que sou impelida a remexer no baú da mente, já confundida pelo peso dos 39 anos que recém-chegaram, para atender a um pedido de uma amiga, Laura Lucena. Ela está escrevendo um livro sobre o ex-chefe da Defesa Civil, Domingos Iglesias Valério e perguntou se alguém tinha uma história ocorrida com ele. E não é que eu tenho?
Durante muitos anos fugi de entrevistar este homem. Explico: é que logo que cheguei a Cuiabá fui trabalhar no jornal Folha do Estado. Crua de tudo. Tinha acabado a faculdade, nunca tinha feito estágio, nunca tinha mexido com computador, e não conhecia ninguém na cidade além dos amigos que se aventuraram a ir comigo nesta jornada de Santos a Cuia.
Então, num belo dia nem tão belo assim, fui pautada para entrevistá-lo. Soube por outros repórteres que ele não era muito chegado a dar entrevistas para jornal. Que era muito culto e PhD no que fazia. Já fiquei tremendo de medo. Como tinha aprendido na faculdade a primeira coisa que tinha que perguntar era o nome completo. Primeiro erro! Ele logo me veio com esta sutil patada “ô filha, você não sabe nem meu nome e quer me entrevistar?”. Daí eu disse que era nova na cidade e tal. E ele me disse o nome e cargo direitinhos.
Na segunda pergunta, que não lembro qual foi, mas sei que foi sobre seu trabalho, ele veio com mais um zurro: “(suspiro) não sei se devo explicar porque acho que você não vai entender”. Uau! Pensei, que pretensioso! E disparei: “se o senhor não me explicar daí que não vou entender mesmo!”. E ele não se contentou e disse: “por isso que prefiro dar entrevista para TV porque daí sou eu que estou falando. Não corro o risco de ser mal interpretado”.
Mesmo com toda essa boa vontade ele respirou fundo e me explicou tudo (até demais). O que era pra levar meia hora levou mais de uma. Cheguei à redação, fiz a matéria já esperando reclamação dele no outro dia. Mas, qual não foi minha surpresa que não ocorreu isto. Apenas um pesado silêncio e distância entre nós. Confesso que prometi a mim mesma que não mais iria entrevistar este homem. E em outras ocasiões em que isto me foi proposto eu sempre dei um jeito de passar a bola adiante.
Mas, como a vida dá voltas...alguns anos depois, acho que uns cinco, tive que entrevistá-lo. Lá fui eu carregando gravador e minha má vontade para a Defesa Civil. E qual não foi minha surpresa a gentileza a qual ele me tratou. Me deu todos os dados solicitados, mapas, informações adicionais, dicas. O encontro durou quase duas horas. Na despedida ele virou pra mim e disse: “gostei de você! Entendeu tudo direitinho. Você é nova em Mato Grosso?”. Não podia perder a oportunidade de vingança e falei: “Não, tenho mais de cinco anos aqui. Já o entrevistei logo que cheguei e o senhor me disse que eu não entenderia o que iria me dizer!”.
Agi por impulso e logo depois de declarar isso pensei que ele nunca mais me daria entrevistas. Então veio a surpresa! Ele olhou bem pra mim e disse: “Nossa! Eu devia estar num mal dia! Desculpe”.
Me senti pequena em não compreender as alterações de humores das pessoas e não agir como uma profissional e sim como uma menina que se magoa com qualquer comentário. Passei a admirá-lo desde então porque ele teve a humildade, embora sabendo muito mais do que eu, e correndo o risco de eu não colocar tudo como ele disse no papel, de pedir desculpas e compreender minha mágoa. Hoje eu que peço desculpas porque acho que também não estava num bom dia. Muitas tempestades de insegurança em mim, muitas inundações de soberba de achar que, lógico, eu o entenderia sim. Deixei de lado os ensinamentos dos mestres da faculdade de que o jornalista é e deve ser um ser humilde, pois é aquele que não sabe nada e deve buscar sempre o conhecimento, inclusive de si mesmo.
Esta mensagem é uma homenagem a este meu cobaia-entrevistado. Se for usada no livro sobre Iglesias, será uma honra!

Um comentário:

gisele disse...

Dri, vc deveria escrever mais sobre as vivências de jornalista. Repórteres estão em extinção, quem sabe vc não ajuda a salvar algumas jovens almas que não sabem o que é não ter tudo na internet...